por William Hazlitt
traduzido por: Leandro Diniz ||
fonte: http://www.blupete.com/Literature/Essays/Hazlitt/TableTalk/Superiority.htm
Vai-me perdoar o leitor pela tradução. Não que considere estar ruim, mas certamente ótima não está. Hazlitt era um escritor dos mais redondos. Transitava entre as expressões cultas e diárias tão facilmente quanto manejava as liberdades gramaticais da sua língua. Tais elementos são deveras difíceis de resolver. Mas dada a pertinência do tratamento para o estudo do nosso meio, que deixa o ambiente do próprio escritor um paraíso, tive de publicá-la, a transcrição. Como noutras transliterações, as notas próprias do autor vão sem nenhuma indicação, as que estão indicadas como [notas do editor] são do editor do livro, cuja edição não faço a mínima noção. E, ainda, as notas assinaladas como [notas do trad.] são as que eu mesmo pus contextualizando, no máximo que pude, as referências e citações. Sem mais, boas leituras.
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A principal desvantagem de saber mais, e enxergar mais além do que os outros, é geralmente não ser entendido. Um homem está, em conseqüência disto, sujeito a originar paradoxos, que imediatamente o transportam para além do alcance do leitor comum. Uma pessoa falando, uma vez, de uma maneira trivial de um homem de mente muito original, recebeu como resposta: "Ele caminha com passos tão largos, tão longe de você, que ele diminui à distância."
Petrarca reclamava que a "Natureza o fez diferente das outras pessoas" — singular d'altri genti. A grande felicidade da vida é: nem estar melhor nem pior do que o rumo geral daqueles com quem você se encontra. Se você está abaixo deles, você é atropelado; se está acima deles, logo encontra um nível mortificante na diferença deles, sobre a qual você, particularmente, se aborrece. Qual é a utilidade de ser moral em uma cela de prisão ou sábio em Bedlam[1]? "Ser honesto, como anda este mundo, é ser um homem escolhido dentre dez mil outros." Assim diz Shakespeare; e os comentadores não adicionaram que, sob tais circunstâncias, um homem é mais provável tornar-se um fundo de calúnia do que o alvo de admiração, por assim ser. "Que passa, meu caro colega?"[2] é a resposta usual a todas estas pretensões excessivas. Ao não fazer [em Roma] como faziam aqueles em Roma, nós cortamos nós mesmos da sociabilidade e da sociedade. Falamos outra língua, temos noções de nós próprios e somos tratados como uma espécie diferente. Nada pode ser mais complicado que adentrar com tais idéias rebuscadas no rebanho comum, que certamente vai
"Permanecer de todo atônito, como um tipo de novilhos,
Entre quem alguma besta de raça estranha e estrangeira
Inconsciente é sucedida, vagueando longe de seus pares: Assim
vão seus olhares medonhos trair seus medos ocultos."
"Stand all astonied, like a sort of steers,
'Mongst whom some beast of strange and foreign race
Unwares is chanced, far straying from his peers: So
will their ghastly gaze betray their hidden fears."
A ignorância do propósito do outro é uma causa suficiente de medo e medo produz ódio: por isso a suspeita e o rancor lançados contra todos aqueles os quais estabelecem um refinamento e sabedoria maiores, que seus vizinhos. É em vão pensar em amaciar este espírito de hostilidade pela simplicidade nas maneiras ou pela condescendência às pessoas de menor estatura. Quando mais condescendente, mais eles vão atrever-se em relação a isto; eles o temerão menos, mas te odiarão mais; e estarão mais determinados a se vingar de você pela superioridade, para a qual eles estão inteiramente na escuridão e da qual você mesmo parece nutrir dúvidas consideráveis. Toda a humildade do mundo apenas passará por fraqueza e idiotice. Eles não possuem a noção de tal coisa. Eles sempre querem dar uma boa impressão; e argumentam que você faria o mesmo se tivesse quaisquer de tais talentos dos quais as pessoas falam. Portanto, é melhor você jogar fora o grande homem de uma vez -- ser valentão, arrogante, falar empostado e passar por cima deles: você pode, através disso, pretender extorquir um respeito externo ou uma civilidade comum; mas você não terá nada (com as pessoas baixas) pela paciência e boa natureza, somente o insulto declarado ou um desprezo silencioso. Coleridge sempre fala com as pessoas sobre o que elas não entendem: eu, por exemplo, procuro falar com elas sobre o que elas realmente entendem, e encontro somente a mais má-vontade com isso. Elas julgam que eu não penso delas como capazes de nada melhor; que eu não penso que vale à pena, como o vulgo diz, lançar uma palavra aos cães. Eu, certa vez, reclamei disto com Coleridge, pensando nisto à duras penas, que eu devesse ser enviado a um Convento por não fazer uma exibição prodigiosa. Ele disse: "Na medida em que você assume um personagem, você deve produzir suas credenciais. É um ônus sobre a boa natureza das pessoas admitir algum tipo de superioridade, mesmo quando existe a prova mais evidente disto; mas é uma tarefa muito dura para a imaginação admiti-lo sem qualquer fundamento aparente disso."
Não existe, então, um erro maior que supor que você evita inveja, malícia e a falta de caridade, tão comuns no mundo, indo entre as pessoas sem pretensões. Não existem pessoas que não tenham pretensões; ou menores suas pretensões, menos elas podem agüentar reconhecer as suas sem algum tipo de apreço recebido. Quanto mais informações os indivíduos possuem, ou quanto mais eles se aperfeiçoaram em dado assunto, tanto mais eles prontamente podem conceber e admitir o mesmo tipo de superioridade, que sentem dos outros, a si mesmos. Mas da ignorância e vulgaridade baixas, imbecis e do nível do esgoto, nenhuma idéia ou amor à excelência pode surgir. Você pensa que está indo consideravelmente bem com eles; que você está deixando de lado a secura do pedantismo e da pretensão e ganhando o caráter de um tipo de simples, despretensioso e bom companheiro. Isto não funcionará. Durante todo o tempo em que você está fazendo estes avanços familiares, e esperando estar à vontade, eles estão tentando te passar pra trás. Você pode esquecer que você é um autor, um artista ou que não é -- eles não esquecem que não são nada, nem diminui a ponta de desejo de provar que você está na mesma situação. Eles lançam mão de alguma circunstância da sua roupa; sua maneira de entrar numa sala é diferente da dos outros; você não come vegetais -- isto é estranho; você possui uma expressão particular, que eles repetem e isto torna-se um tipo de piada padrão; você parece grave, ou doente; você fala, ou é mais silencioso que o normal; você está, ou não está, com dinheiro: todas essas pequenas e insignificantes circunstâncias, nas quais você se assemelha, ou difere das outras pessoas, formam muitos dos pontos da acusação contra você que está acontecendo na imaginação delas, e são muitas as contradições no seu caráter. A qualquer outra pessoa eles passariam em branco, mas a uma pessoa da qual eles ouviram tanto, não podem de todo evitar. Enquanto isso, aquelas coisas nas quais você pode realmente ser excelente passam em branco, pois eles não podem julgá-las. Eles falam muito bem de algum livro que você não gosta e, portanto, você não responde. Você recomenda a eles irem ver alguma pintura, na qual eles não acham muito a admirar. Como você os convencerá que está certo? Você pode fazê-los perceber que as falhas estão neles e não na pintura, ao menos que você consiga dar-lhas seu conhecimento? Elas mal distinguem a diferença entre um Correggio[3] e uma sujeira qualquer. Isto lhe deixará mais próprio de um entendimento? Quanto mais você sabe a diferença, mais profundamente você a sente, ou mais intensamente você deseja transmiti-la, mais longe você se encontra encerrado à uma distância incomensurável da possibilidade de conduzi-los a visões e sentimentos para os quais eles não possuem nem mesmo os primeiros rudimentos. Você não pode fazê-los ver com seus olhos e eles devem julgar por si mesmos.
A força intelectual não é igual a física. Você não tem poder no entendimento dos outros, a não ser pela simpatia deles. Você saber, de fato, muito mais sobre um assunto, não te dá uma superioridade, ou seja, um poder sobre eles, mas apenas torna mais impossível para você fazer a mínima impressão neles. É, então, uma vantagem para você? Pode ser, enquanto está relacionada a sua própria satisfação, mas isto coloca um fosso profundo entre você e a sociedade. Isto coloca tropeços a cada curva do seu caminho. Tudo aquilo pelo que você tem o maior orgulho e prazer está perdido aos olhos vulgares. Com o que eles ficam satisfeitos é certa indiferença ou desgosto por você. Ver várias pessoas folhear um portfólio de gravuras de diferentes mestres; que desafio isto é para a paciência, como dá nos nervos ouvi-las cair encantadas com alguma banalidade de lugar comum e passar sobre alguma divina expressão de fisionomia sem notar, ou com uma observação de que ela é muito peculiar? Quão inútil é, em tais casos, se abalar ou argumentar ou protestar? Não é, tão bom também, estar sem todo esse conhecimento hiper-crítico e fastidioso e ser agradado ou desagradado como for, ou lidar com a primeira falha ou beleza que é apontada pelos outros? Eu ficaria grato em mudar minha familiaridade com as pinturas e livros e, certamente, o que eu sei da humanidade, pela ignorância comum delas.
Está registrado na vida de algum notável (de quem o nome eu me esqueci) que foi um daqueles "que amava a hospitalidade e o respeito": e eu confesso pertencer à mesma classe do gênero humano. A civilidade está comigo como uma jóia. Eu gosto de um pouco do elogio confortável e do papo indolente e descuidado, eu odeio ser sempre sábio, ou buscando a sabedoria. Eu tenho muito a ver com cabalas literárias, questões, críticos, atores, escrita de ensaios, sem levá-los comigo para a diversão e para todas as companhias. Eu desejo, nesses momentos, passar como uma companhia bem-humorada; e boa vontade é tudo que eu quero em retorno para ser uma boa companhia. Eu não desejo estar sempre me colocando, e aos outros, as questões do destino, do livre-arbítrio, presciência absoluta, etc. Eu devo afrouxar algumas vezes. Devo ocasionalmente parecer inculto. O tipo de conversa que mais me incomoda é aquele de como está o dia e se provavelmente amanhã vai chover ou terá um dia limpo. Isto eu considero embora apreciando o otium cum dignitate, o ócio honrado, como o fim e privilégio de uma vida de estudos. Eu me resignaria a este estado de fácil indiferença, mas eu noto que não posso. Devo manter uma certa pretensão, que está muito longe do meu desejo. Devo ficar na defensiva. Eu devo assumir o desafio continuamente, ou acho que estou perdendo terreno. "Eu não sou nada, senão crítico." Enquanto eu estou pensando que horas são ou como eu vim a citar inadvertidamente uma passagem bem conhecida, como se eu o tivesse feito de propósito, os outros estão pensando se eu não sou verdadeiramente um colega maçante como, algumas vezes, dizem que sou. Se uma chuva garoa tamborilando contra as janelas, isto me trás à mente uma suave chuva de primavera, da qual eu escapei vinte anos atrás, em um pequeno bar perto de Wem em Shropshire e enquanto eu olhada para as plantas e arbustos, ante a porta, bebendo do orvalho úmido, sorvia um copo de cerveja espumante e voltei para casa no crepúsculo da noite, mais claro para mim do que o sol do meio dia como está agora! Devo suavizar este sentimento? Em vão. Eles me perguntam quais são as novidades e me encaram se eu digo que não sei. Se uma nova atriz apareceu, por que eu devo tê-la visto? Se um novo romance surgiu, por que eu devo tê-lo lido? Uma vez, eu costumava ir sentar-me à mesa de cribbage[4] com um amigo, depois devorava um frio bife de lombo de vaca e fazia umas observações desinteressadas, de um jeito que me satisfazia, mas isso não durou muito. Eu estabeleci uma pequena pretensão e, portanto, esse pouco que foi estabelecido por mim foi tomado de mim. Como eu mesmo não disse nada sobre aquele assunto, era continuamente jogado na minha cara que eu era um autor. Tendo-me nesta desvantagem, meu amigo queria se aproveitar de uma falha ou duas no jogo, e ficava insatisfeito se eu não o deixasse. Se eu o ganhava, seria estranho se ele não entendesse o jogo melhor do que eu. Se eu mencionava meu jogo favorito de raquetes[5], existia um silêncio geral, como se este fosse meu ponto fraco. Se eu reclamava de estar doente, era perguntado por que eu me deixei ficar. Se eu dizia que um ator tinha atuado bem em tal parte, a resposta era: existe uma opinião diferente em um dos jornais. Se qualquer alusão era feita aos homens de letras, existia um riso suprimido. Se eu contava uma estória engraçada, era difícil dizer se o riso era por minha causa ou por causa da narrativa. A esposa me odiava pelo meu rosto feio; os serventes porque eu não podia sempre dispô-los de tickets para o teatro e porque eles não podiam dizer exatamente o que um autor exatamente significava. Se um parágrafo parece diferente de tudo que já tinha escrito, eu achava que já estava pronto antes de mim e que eu iria ser amplamente criticado. Eu me submetia a tudo isto até ficar cansado, depois desisti.
Uma das misérias das pretensões intelectuais é que nove décimos daqueles com quem você travar contato não sabem se você é um impostor ou não. Eu temia que certas críticas anônimas fossem parar nas mãos dos serventes dos locais que eu freqüentava ou que meu chapeleiro ou meu sapateiro calhassem de lê-los, os quais possivelmente não podem dizer se elas são bem ou mau fundamentadas. A ignorância do mundo deixa qualquer um à mercê da sua malícia. Existem pessoas das quais você deseja uma boa opinião ou uma boa vontade, deixando de lado qualquer pretensão literária; e é duro perder, por um mau relato (o qual você não possui nenhum meio de retificar), o que você não pode ganhar por um bom. Depois de uma diatribe no Quarterly[6] (que é trazido por um cavalheiro que ocupa meu apartamento antigo no primeiro andar)[7] meu senhorio me trouxe sua conta (de algo pendente), e sobre a minha oferta de dá-lo a maior parte em dinheiro e um cheque para o resto, balançou a cabeça, e disse: que receava não poder aceitá-lo. Logo depois, a filha entra e, à minha cuidadosamente menção das circunstâncias para ela, respondeu gravemente: "que, de fato, seu pai esteve quase arruinado pelas contas." Esta é a pior situação de todas. É em vão para mim empenhar-me em explicar que a publicação na qual eu sou caluniado é um mero mecanismo do governo -- um órgão de uma facção política. Eles não sabem nada sobre isto. Sabem apenas que tais e quais imputações foram lançadas; e quanto mais eu tento destruí-las, mais eles pensam que existe alguma verdade nelas. Talvez as pessoas da casa eram Tories[8] ferrenhos -- algum tipo de agentes do governo. É para que eu esclareça a ignorância deles? Se eu disser que uma vez escrevi uma coisa chamada "Prince Maurice´s Parrot", e "Essay on the Regal Character"[9], o primeiro no qual uma alusão é feita a um nobre marquês, e no último a uma grande personalidade (assim pelo menos, me disseram, ela tinha sido considerada) e as quais o Sr. Croker tem instruções peremptórias para retaliar; eles não podem conceber qual conexão pode existir entre mim e tais distintas personalidades. Eu não agüento mais. Tal é a miséria das pretensões além de sua situação imediata; e que não são ajudadas por quaisquer símbolos externos, inteligíveis para toda a humanidade, de riqueza ou posição social!
A impertinência da admiração é dificilmente mais tolerável do que as demonstrações de desprezo. Eu conheci uma pessoa, que eu nunca tinha visto antes, me perseguindo durante toda a hora do jantar, perguntando quais artigos eu tinha escrito na Edinburg Review. Eu estava, pelo menos, envergonhado de responder aos meus esplêndidos pecados daquela maneira. Outros vão pegar algo que não é seu e dizer que eles estão certos de que mais ninguém poderia tê-lo escrito. Pela primeira frase eles sempre podem dizer seu estilo. Agora, eu odeio que meu estilo seja conhecido; como eu odeio toda idiossincrasia. Estes bajuladores obsequiosos não poderiam prestar-me pior elogio. Então, existem aqueles que se esforçam para ler tudo o que você escreve (o que é exagero); enquanto outros, mais provocadores, regularmente emprestam suas obras aos amigos assim que as recebem. Eles sabem, bastante bem, tuas noções sobre os diferentes assuntos, de ouvir você discursando sobre eles. Além do mais, eles têm em mais alta conta o seu caráter pessoal, que têm sobre seus escritos. Você explica as coisas melhor de uma maneira comum quando não está visando um efeito. Outros lhe dizem das falhas, que ouviram dizer, foram encontradas no seu último livro e que defendem seu estilo, em geral, da acusação de obscuridade. Um amigo, uma vez me contou, de uma disputa que ele teve com um chegado, este negou que eu sabia soletrar as palavras mais comuns. Estas são comunicações confidenciais confortáveis, às quais os autores, que possuem seus amigos e seus desculpadores, estão sujeitos. Um cavalheiro me disse, que uma moça objetou meu uso da palavra aprendedor[10], como má gramática. Ele disse que achou uma pena que eu não tivesse mais cuidado, mas que a moça talvez fosse preconceituosa, pois seu marido tinha um cargo no governo. Eu procurei pela palavra e a encontrei em um lema de Butler. Eu estava ressentido, e desejava que ele dissesse à tal crítica, que a falha não estava em mim, mas em alguém que tinha muito mais sabedoria, mais aprendizado e lealdade do que eu poderia pretender ter. Então, novamente, alguém vai escolher a coisa mais rasa que puder encontrar, para enchê-la com panegíricos; e outras lhe dizem (como meio de deixá-lo ver quão prestigiosa acham sua capacidade), que suas melhores passagens são falhas. Lamb tem uma habilidade de saborear (ou como ele diria, paladear[11]) o insípido. Leigh Hunt tem um truque de se afastar dos bocados saborosos que você põe em seu prato. Não existe o começar para algumas pessoas. Faça o que fizer, elas podem fazer melhor; encontre o sucesso que for, a boa opinião delas as mantém em melhor lugar, e correm ante o aplauso do mundo. Certa vez, mostrei a uma pessoa desta inclinação presunçosa (com não pouco triunfo, eu confesso) uma carta de um relato lisonjeiro que eu recebi de um celebrado Conde Stendhal, datada de Roma. Ela recebeu isto com um sorriso de indiferença e disse que tinha recebido ele mesmo uma carta de Roma no dia anterior, de seu amigo S------! Eu não pensei disto "pertinente ao assunto". Godwin pretende que eu nunca escrevi nada que valesse um centavo, somente meu "Answers to Vetus"[12] e que eu falhei completamente quando tentei escrever um ensaio, ou qualquer coisa que fosse mais curta.
O que alguém pode fazer em tais casos? Eu devo confessar uma fraqueza? O único contra-argumento que eu conheço a estas recusas e mortificações é, algumas vezes, uma nota acidental ou um sinal distintivo de um estranho. Eu sinto a força do digito mostrari [uma pessoa para apontar] de Horácio -- eu gosto de ser apontado na rua ou ouvir as pessoas perguntarem na quadra do Sr. Powell[13], quem é o Sr. Hazlitt? Isto é para mim uma extensão agradável da identidade pessoal de alguém. Seu nome, tão repetido, deixa um eco como uma música aos ouvidos: atiça o sangue como o som de um trombeta. Isto mostra que as outras pessoas estão curiosas para ver você: que elas pensam em você e sentem um interesse em você sem que você saiba. Isto é uma almofada sobre a qual recostar-se; um forro para sua pobre, estremecida, maltrapilha opinião sobre si mesmo. Você quer alguma coisa tão cordial aos espíritos exaustos e alívio da monotonia das especulações abstratas. Você é algo; e, por ocupar um lugar nos pensamentos dos outros, pensa menos desdenhosamente de si mesmo. Você está mais capaz para encarar os desafios do preconceito e da injúria vulgar. É agradável, desta maneira, ter sua opinião citada contra você e seus próprios ditos repetidos para você como coisas boas. Estava uma vez falando ao poço com um homem inteligente e criticando a performance do Sr. Knight de Filch[14]. "Ah!", ele disse, "o pequeno Simmons era o rapaz para interpretar este personagem." Ele adicionou, "existia uma observação, das mais excelentes, feita sobre sua atuação no 'Examiner' (penso que seja) -- Que ele pareceu como se tivesse uma forca em um olho e uma bela garota no outro."[15] Eu nada disse, mas estive de memorável bom humor o resto da noite. Eu raramente estive em companhia onde o jogo de Fives[16] fosse mencionado, mas alguém perguntou, no curso da conversa. "Deus, alguém já viu uma consideração sobre um tal de Cavanagh[17], que apareceu algum tempo atrás na maioria dos jornais? É sabido quem escreveu isso?" Estes são momentos tentadores. Eu triunfei sobre uma pessoa, de quem o nome eu não mencionarei, na seguinte ocasião. Sucedia de eu estar falando algo sobre Burke e estava expressando minha opinião dos seus talentos sem medir meus termos, quando este cavalheiro me interrompeu dizendo que ele pensava, de sua parte, que Burke tinha sido grandemente superestimado e, então, adicionou, em sua maneira descuidada: "Deus, você leu uma caracterização dele no último número da ------------ ?"; "Eu a escrevi!"[18] -- Eu não pude resistir à antítese, mas estava, depois, envergonhado de minha petulância momentânea. Contudo, ninguém que eu encontro jamais me poupa.
Algumas pessoas procuram e intrometem-se nas personalidades públicas, para, como parece ser, buscar suas falhas e, mais tarde, denunciá-las. Aparências são para isto, mas a verdade e um melhor conhecimento da natureza são contra esta interpretação do assunto. Sicofantas e bajuladores são, não intencionalmente, traiçoeiros e inconstantes. Eles estão inclinados a admirar desordenadamente a princípio e não encontrando um fornecedor constante de comida para seu tipo de apetite doentio, eles tomam nojo do objeto de sua idolatria. Para estarem quites com sua credulidade, eles afiam sua astúcia para espionar falhas e ficam deleitados ao descobrir que as respostas são melhores que seu desejavam primeiramente. É um caso de estudo, "animado, audível e cheio de ventilação". Eles possuem o órgão da admiração e o órgão do medo em níveis proeminentes. O primeiro requer novos objetos de admiração para satisfazer seus desejos inquietos; o segundo os fazem curvar-se ao poder aonde quer que seu critério mutante aporte, voluntariosos de bajular todos os partidos e prontos para trair qualquer um, com sua pura fraqueza e servilismo. Eu não acho que eles signifiquem nenhum mal: pelo menos, eu posso olhar para esta dissimulação com indiferença, em meu próprio caso particular. Eu tenho estado mais disposto a ressenti-lo quando eu o tenho visto ser praticado sobre outros, onde tenho sido mais capaz de julgar a extensão do prejuízo e a insensibilidade e a loucura idiota que isto revela.
Eu não acho que grandes realizações intelectuais são, de algum modo, recomendadas às mulheres. Elas as confundem e são uma divergência à questão principal. Se scholars falam com as damas do que eles entendem, suas ouvintes não são as mais sábias; se eles falam sobre outras coisas, eles apenas provam-se idiotas. A conversa entre Angelica e Foresight em "Love for Love"[19] é uma receita completa para todo este nonsense esgotante: enquanto ele está divagando sobre os signos do zodíaco, ela está na ponta dos pés na terra. Tem sido observado que os poetas não escolhem suas amantes muito sabiamente. Creio que não é escolha, mas necessidade. Se eles pudessem dar o lenço como o Grand Turk[20], imagino que veríamos escassas mortais, mas, ao invés, deusas, rodeando seus passos e cada uma exclamando, com a própria criada jônia de Lord Byron:
"Então tu deverás encontrar-me sempre a teu lado,
Agora e de hoje em diante, se o último puder ser!"
"So shalt thou find me ever at thy side,
Here and hereafter, if the last may be!"
Ah! não, estes são evidentes, ganhos por homens de mortal, e não de etérea, forma e daí em diante o poeta, em cuja mente as idéias de amor e beleza são inseparáveis, como os sonhos do sono, vão sobre a esperança desamparada da paixão e vestem a primeira Dulcinéia que terá compaixão dele, com todas as cores da fantasia. De que serve isto de reclamar, se a ilusão dura por toda a vida e o arco-íris ainda pinta sua forma na nuvem?
Existe um erro que eu desejaria, se possível, reparar. Os homens de letras, artistas e outros, não tendo êxito com as mulheres a uma certa posição na vida, pensam que a objeção é pelo desejo delas de fortuna e que subsistirão melhores chances se descerem mais baixo, onde apenas suas boas qualidades ou talentos serão apreciados. Oh! cada vez pior. A objeção é para eles mesmos, não para sua fortuna -- à sua abstração, à sua ausência mental, às suas noções ininteligíveis e românticas. Mulheres educadas podem ter um vislumbre do seu significado, podem ter uma pista ao seu caráter, mas a todas as outras eles são densas trevas. Se a amante sorri a seus avanços ideais, a criada rirá sem reservas; ela joga água em você, chama a irmã para ouvir, envia seu namorado para perguntar a você o que quis dizer, jogará a vila ou a casa contra você; será uma farsa, uma comédia, a brincadeira constante do ano e, então, o assassino se revelará. Scholars deviam ser jurados em Highgate.[21] Eles não são páreos para as arrumadeiras e para as serventes das hospedarias. Eles têm melhores chances com herdeiras ou damas de qualidade. Estas últimas têm altas noções de si mesmas que podem ajustar-se a alguns de seus epítetos! Elas estão acima da mortalidade, assim como seus pensamentos! Mas com a vida inferior, a artimanha, a ignorância e a trapaça, vocês não têm nada em comum. Quem quer que você seja, que pense poder fazer um compromisso ou uma conquista lá, pela boa natureza ou bom senso, esteja avisado por uma voz amigável e se retire a tempo desta disputa desigual.
Se, como eu disse acima, scholars não são páreos para arrumadeiras, por outro lado, cavalheiros não são páreos para canalhas. Os primeiros estão com a sua honra, eles agem com medida; os últimos aproveitam todas as vantagens e não têm nem idéias nem princípios. É embasbacante quão rápido alguém sem educação aprenderá a trapacear. Ele é impenetrável a qualquer raio do conhecimento liberal; seu entendimento é
"Não penetrável pelo poder de qualquer estrela"
"Not pierceable by power of any star"
mas é poroso a todos os tipos de truques, sofismas, estratagemas e garotices, pelos quais qualquer coisa pode ser conseguida. Sra. Peachum, de fato, diz, que para suceder na mesa de jogo, o candidato deve ter a educação de um nobre. Eu não sei o quanto este exemplo contradiz a minha teoria. Eu penso que é uma regra que aos homens de negócios não devem ser ensinadas outras coisas. Qualquer um estará quase certo de fazer dinheiro se não tem outra idéia em sua mente. Uma educação universitária, ou o estudo intenso da verdade abstrata, não habilitará o homem a conseguir barganhar, a levar a melhor sobre outro ou mesmo de resguardar-se de ser passado para trás. Como Shakespeare diz, que " ter uma boa aparência é efeito do estudo, mas ler e escrever vem por natureza": pois pode ser argumentado, que para ser um tratante basta um dom da sorte, mas para bancar o bobo e se favorecer é necessário ser um homem educado. Os melhores políticos não são aqueles que estão profundamente fundamentados na matemática ou nas ciências éticas. Os governantes se mantém no caminho da conveniência. Muitos homens têm sido dificultados de colocar sua sorte no mundo por um cultivo inicial de seu senso moral; e se arrependem disto no ócio durante o resto de sua vida. Um homem sagaz disse a meu pai, que ele não enviaria um filho seu para a escola de maneira alguma, pois ao ensiná-lo a dizer a verdade, ele o desqualificaria para ter sua vida no mundo!
É muito pouco necessário adicionar qualquer ilustração para provar que os mais originais e profundos pensadores não são sempre os escritores mais sucedidos e populares. Esta não é uma desvantagem meramente temporária; mas muitos grandes filósofos têm não apenas sido vigiados enquanto viviam, mas esquecidos assim que morreram. O nome de Hobbes é talvez suficiente para explicar esta asserção. Mas eu não desejo ir mais afundo nesta parte do assunto, que é óbvia nela mesma. Eu disse, creio, suficiente para sair o ar de paradoxo que paira sobre o título deste ensaio.
[1] [nota do trad.] Bedlam ou Bethlem Royal Hospital é um hospital um Londres que primeiramente foi uma instituição especializada em doentes mentais, significado este aludido aqui pelo autor.
[2] A saudação de Jake Cade para alguém que tentava louvar-se ao dizer que podia escrever e ler. -- ver Henrique VI - segunda parte.
[3] [nota do trad.] Correggio é como era conhecido o pintor italiano Antônio Allegri (Correggio, c.1489 - Idem, 5 de março de 1534). Foi um pintor da Renascença italiana, contemporâneo de Leonardo e Rafael, com obras nos principais museus de todo o mundo.
[4] [nota do trad.] Uma espécie de jogo de cartas.
[5] [nota do trad.] Raquetes (inglês: Rackets ou Racquets) é um esporte de raquete jogado basicamente nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido. Seu sistema de jogo e regras é semelhante a do squash, sendo freqüentemente chamado de hard rackets para distinguir-se do esporte formalmente nomeado squash rackets.
[6] [nota do trad.] O Quarterly Review foi um jornal literário e político cuja primeira edição foi publicada em Março de 1809 pelo editor John Murray, de Londres, Inglaterra.
[7] [nota do editor] end. Mr. Walker´s, 9, Southampton Buildings, Chacery Lane.
[8] [nota do trad.] Tory é o nome do antigo partido de tendência conservadora do Reino Unido, que reunia a aristocracia britânica.
[9] [nota do editor] Ensaios Políticos, 1819, pp. 51, 335
[10] [nota do trad.] No original learnerder.
[11] [nota do trad.] O verbo usado em inglês é palating. Seria o verbo correspondente a paladar, como este verbo não existe, vão-me escusar os leitores por improvisar.
[12] [nota do editor] Contribuída ao Mourning Chronicle em 1813
[13] [nota do editor] O campo de raquete na rua St. Martin.
[14] [nota do trad.] Aqui ele se refere ao personagem da The Beggar's Opera (Ópera dos Mendigos ou Ópera dos vagabundos) que é uma ópera de balada de 1728 dividida em um prólogo e três atos, com letras de John Gay e músicas de Pupusch.
[15] [nota do editor] "View of the English Stage", 1821, pp. 176-7. A passagem aparece na crítica do escritor à Ópera dos Mendigos.
[16] [nota do trad.] Fives é um esporte inglês que acredita-se deriva das mesmas origens que os outros esportes de raquetes. Em Fives, uma bola é jogada contra as paredes de uma quadra especial, usando mãos enluvadas ou limpas como se fossem raquetes.
[17] [nota do trad.] Parece que aqui se fala de Patrick Cavanagh, que foi um mártir caólico irlandês beatificado pelo Papa João Paulo II em 27 de setembro de 1992.
[18] [nota do editor] O "O Caráter de Burke" foi escrito, em 1807 ("Eloquence of the British Senate", 1807, ii, 206-17.) está reproduzida em "Winterslow, 1850" Ensaio xii.
[19] Peça de William Congreve (Bardsey, 24 de Janeiro de 1670 - Londres, 19 de janeiro de 1729), poeta e dramaturgo neoclássico inglês.
[20] O Grand Turk era o nome dado no Ocidente para o Sultão do Império Otomano, a referência aqui provavelmente diz respeito a esta passagem: Depois das visitas dos funcionários do estado, a porta da Sala do Manto Sagrado enfrente a Enderun seria fechada e a porta de ferro fechada para que a do Harém fosse aberta. Ao convite as esposas do sultão, suas favoritas, suas irmãs e suas filhas, cobrindo suas cabeças com lenços de oração, cada uma visitaria em cerimônia. Elas deixariam a sala depois de receber um lenço especial do sultão. Retirada e traduzida de: http://www.turkishairlines.com/en-INT/skylife/article.aspx?mkl=2097
[21] [nota do editor] Uma alusão ao uso jocoso (há muito tempo tornou-se obsoleto) de fazer alguém um freeman of Highgate (um homem livre de Highhate). [nota do trad.] O Juramento aos Cornos é um falso juramento que foi tradicionalmente dado aos visitantes de vários pubs em Londres no subúrbio de Highgate durante os séculos XVII, XVIII e XIX. O juramento consistia de uma série de declarações lidas por um balconista, confirmando a dedicação de alguém ao deboche e à alegria.
Parabéns pela iniciativa! Um ótimo texto, bem traduzido. E suas notas contextualizando ficaram show de bola! Um abraço!
ResponderExcluirVocê nem leu o texto... leia a crítica abaixo! Maurício Campos Mena parece ter lido, esboça uma interpretação, engatilha uma crítica à razão exposta. Não se meta a comentar um pseudo texto filosófico, muito mal traduzido com a expressão "show de bola"! Vá assitir à Globo!
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirNem li o texto ainda, nem me estou à altura para avaliar a tradução. Mas mandar alguém assistir à Globo é o fim da picada, e descredibilizou qualquer possibilidade de se levar a sério suas ponderações, mesmo que estejam corretas
ExcluirPareceu-me que o texto tem vários entraves no que diz respeito à tradução, meu caro. Falo isso como quem lê em português, apenas, então sabe-se lá. Algumas palavras, creio que estão escritas erradas. Por exemplo, há um "afundo" no último parágrafo.
ResponderExcluirDe toda forma, o texto tem vários bons momentos onde a crítica se afez à realidade intelectual, contudo há trechos em que imperam a hostilidade do autor e uma certa arrogância. Acha incomunicável a humildade e a intelectualidade. Eu penso que não, a humildade está no saber ouvir - o que é totalmente digno de quem tem a própria consciência de que seu intelecto pode ser estanque quando falamos de compartilhá-lo de forma fidedigna, isto é, no mesmo pé de entendimento com o qual você adquiriu determinado conhecimento - e no saber falar de forma gentil, como quem tem a sapiência de que o mundo não é intelectualizado. Somo ainda um terceiro argumento em prol da humildade: a vontade de trasferir a outrem algo que é seu, como quem compartilha um bem; esse, o maior bem, o conhecimento. O autor dirá que é impossível, que esse conhecimento superior é intransferível. Eu digo que não. Com as palavras certas e a atitude certa, mesmo que essa pessoa não ganhe intelecto, você soma à ela uma visão diferente de ver o mundo que pode encorajá-la. Claro, pra isso você precisa ser 10 vezes mais: é preciso encantá-la com a retórica, impondo respeito e conquistando a simpatia.
Meu caro Maurício, concordo com você quanto idiotice da tradução. O texto original já é incompreensível, beirando Max Weber e sua arrogante compreensão de "patuléia". Filosofia não se confunde com estratagemas de estilo literário. Ghandi falava aos humildes, assim como Jesus, Buda e Maomé. Em todos aprendemos que os humildes herdarão a Terra. A filosofia clássica, rebuscada, satirizada em Mestre Yoda, trocando palavras de lugar para dar impressão de erudição reside com Zeus no Monte Olimpo. É mito. Que se traduza Nietzsche!
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