sexta-feira, 11 de julho de 2014

A Inteligência da explicação do texto


A Inteligência da explicação do texto

30 modelos de comentários, 40 chaves para chegar ao coração do texto
Bruno Hongre


Nota: fiz esta ligeira tradução do francês original: L'intelligence de l'explication de texte : 30 modèles de commentaires, 40 clefs pour aller au coeur du texte, embora não sabendo ler em francês. Me ajudou muito a clareza da escrita do autor original e tradutores eletrônicos. Caso alguém note alguma discrepância, favor me avisar.

Prefácio
(e instruções)

A análise de texto continua a ser um exercício fundamental do ensino do francês. Ela é chamada explication linéaire ou commentaire composé, étude suivie, lecture méthodique ou ainda analytique, tem como propósito essencial a formação do espírito crítico, isto é, tanto:

- o espírito analítico: a capacidade de identificar os problemas textuais, para perceber a sutileza de seus meios de expressão, para interpretar o discurso sabendo evitar as armadilhas da linguagem – todas, coisas muito necessárias aos cidadãos que fundam na consciência o exercício de sua liberdade.
- a faculdade da admiração: a arte de apreciar a arte, de maravilhar-se com o poder da imaginação, desfrutar da exaltação de um estilo, de medir a autenticidade de uma mensagem, de recuperar através das obras que nos precederam a herança que nos constitui – ao risco de criar-se a vontade de escrever, pois a admiração leva à criação.

É, naturalmente, através da prática que se adquire “a inteligência” da explicação, que se trás à luz dos textos, ele mesmos. E isso não acontece, simplesmente. O estudante de boa vontade é, muitas vezes, arremessado entre duas pedras: ser chamado a expressar “sinceramente” aquilo que ele deve sentir frente a páginas que nada lhe dizem, ou se vê esmagado pelas ferramentas de análise que lhe são impostas sem lhe explicar "o espírito". Para evitar essas armadilhas, este livro fornece um vai e vêm contínuo entre a arte do sentimento e a arte do entendimento, ambas essenciais ao amor da literatura em geral e, em particular, para o sucesso nos testes de língua francesa em exames e concursos.
A concepção e o modo de uso deste livro são os que se seguem. Por cobrir uma variedade de excertos com os quais os candidatos podem ter de se enfrentar, agrupamos nossos estudos em cinco domínios: textos descritivos, textos romanescos, textos “dramáticos”, textos ditos “argumentativos”, textos poéticos. De cada explicação, ora linear, ora sintética, identificamos as ferramentas analíticas que podem ser reutilizadas pelo leitor em outros textos que, a priori, nada “digam” para ele. Estas são as “Chaves”. Elas são feitas, naturalmente, para entrar, para capturar o coração e a originalidade das passagens estudadas, não para fixar-se na intepretação das grades pré-estabelecidas. 

O uso deste livro é o mais flexível possível. É possível consulta-lo em qualquer ordem, ler as “chaves” antes das correções que as ilustram, ou saltar de um texto a outro: o sumário, as referências, os resumos são destinados à este uso. Contudo, é na ordem de nossos comentários, que vão desde o texto mais simples ao mais complexo, que vamos tirar o melhor proveito. 

Este é, portanto, um livro de método, concebido tanto a atender às necessidades do exame e dispor ao prazer da leitura. Nossa esperança é, de fato, que esta exploração metódica, em reviver a riqueza dos textos, por vezes, esquecida, leve o leitor a se apaixonar pelo melhor da literatura – a que, nas palavras de Ionesco, “impede os homens de serem indiferentes aos homens”.


1. Princípios e métodos

1.       O que é uma explicação de texto?
2.       Porquê explicar um texto?
Questões de um bom aluno ao querido professor...
3.       Como explicar um texto?
4.       Da intertextualidade, e de seu bom uso.

Capítulo 1
O que é uma explicação de texto?

Explicar um texto é explicar o que ele diz e mostrar como ele o disse. Os dois andam de mãos dadas.

  •  O que ele diz.
Um texto nunca é tão óbvio quanto parece. Não é suficiente identificar seu sentido global ou isolar seus temas principais (ou campos lexicais). Devemos esclarecer seus vários significados, analisando os efeitos sucessivos que produz, apreender as nuances que o diferenciam dos outros textos do mesmo tipo.

  • Como ele diz.
Um texto não se reduz à suas significações, ao seu conteúdo, à sua “mensagem”. Para fazer passar essa mensagem, ele foi composto. Para produzir tal ou qual efeito no seu leitor, ele foi elaborado. Devemos, portanto, considerar como o texto funciona, por que meios ele atua, por quais traços de estilo ele se revela eficaz. Em suma, mostrar sua especificidade do texto, literário ou não.

  • Os dois andam de mãos dadas.
As duas abordagens andam juntas, pois as menores nuances de estilo correspondem às nuances do pensamento. As escolhas estéticas do autor estão relacionadas à sua vontade de significação. Assim, o estudo atento do funcionamento de uma página permite, por si mesmo, a compreender e sentir seu significado profundo (sempre múltiplo). E, inversamente, só a captura completa de seus significados permite dar-nos conta de seu sucesso artístico.

Escrever um texto, é bem mais que se expressar: é a arte de significar, de fazer sentir, de fazer agir, de fazer sonhar.

Explicar um texto, é muito mais que lhe “traduzir”: é mostrar como ele significa, como ele faz sentir, agir, sonhar...

UM EXEMPLO PARA BEM COMPREENDER

Consideremos a perspectiva de um escritor que deseja, por exemplo, expressar o medo do homem perante o espaço. Ele pode simplesmente escrever:

O espaço é assustador.

Isto é realmente o que ele “quer” dizer. Mas ao reler, ele não se satisfaz. Sua frase curta não é realmente suficientemente expressiva. Para dar uma idéia mais sensível, ele pode, por exemplo, introduzir um pronome pessoal integrando os homens ao seu ponto de vista e colocar o verbo no presente.

                O espaço nos assusta.

Nós somos envolvidos, mas ainda está um pouco morto. A palavra “espaço” ainda permanece um pouco abstrata: é necessário, sem dúvida, precisar que é esta sua dimensão concreta que nos amedronta e, para tanto, multiplica o espaço o colocando no plural. Isto dá:

                Os espaços infinitos nos assustam.

O autor pode, em seguida, pensar que o ser humano está muitas vezes sozinho quando contempla o espaço; de qualquer maneira, ele sente mais ainda sua solidão. Daí a distinção:

                Os espaços infinitos m’apavoram.

A desproporção entre o infinito do céu e a solidão do eu (reduzida na frase a um único “m’”) torna o pavor mais crível. Em todos os tempos, o sujeito humano foi capaz de senti-lo. Em todos os tempos? Essa é a idéia de eternidade que vem à mente do nosso autor e que lhe permite enriquecer ainda mais a sua fórmula:

                A eternidade dos espaços infinitos m’apavora

O leitor já sente melhor a condição do ser humano perdido ante um duplo infinito, aquela do espaço e aquela do tempo. O homem interroga esse universo, mas nada – jamais – o responde. Esta pode ser a oportunidade de introduzir na frase a idéia do silêncio deste universo. O autor corrige, em seguida, o escrito:

                O silêncio eterno dos espaços infinitos m’apavora.

Vemos bem a superioridade desta fórmula àquelas precedentes: o silêncio, de fato, não é somente a ausência de barulho, é a ausência de discurso, é a ausência de resposta. O “silêncio eterno” implica uma questão eterna, aquela que coloca o ser humano sobre seu destino neste universo.  Este universo, este espaço, que nos cercam por todos os lados. Para concretizar esse vasto ambiente, o autor pode arrastar para o lugar certo um adjetivo demonstrativo, que dá à frase sua construção definitiva, que aqui fica:

                O silêncio eterno desses espaços infinitos m’apavora.

O autor pode se alegrar. Esta frase escrita na primeira pessoa coloca o leitor na posição ideal para que ele sinta uma vertigem real: ele parece ver esses espaços infinitos se multiplicarem diante seus olhos, silenciosamente. Essa impressão de extensão é, também, sublinhada pela aliteração (sete vezes a consoante S ou Z: faz as ligações através da leitura):

                O silêncio eterno desses espaços infinitos m’apavora.

Podemos observar que esta fórmula não faz expressar uma idéia: ela a precisa, ela a torna sensível ao espírito do leitor, ela a encena. Reduzi-la a seu sentido inicial a teria distorcido, ao ignorar todo o trabalho de escritura do autor para desenvolver o valor de seus pensamentos.

Este autor tem um nome: ele se chama Blaise Pascal.

Que ele escreveu esta frase repetindo-a várias vezes, como nós acabamos de fazer ou de uma só vez, isto não tem importância: ele utilizou, muito bem, todos os processos que acabamos de enumerar. A partir de um tema comum, ele produziu muito bem um máximo de efeito e de significação. Bem, essa viagem que o autor seguiu, devemos toma-la em sentido inverso. Estando dado o “produto final” que é a frase que temos diante de nós, nosso trabalho de explicação consiste em analisar seus diversos procedimentos de elaboração, para melhor a compreender e medir seu alcance. O método consiste em um exame sistemático dos meios de expressão e dos afeitos que ele produziu (escolha dos termos evocando um espaço-tempo duplamente infinito; verbo no presente; pronome pessoal reduzido à “ m’ ”; lugar das palavras; rejeição do terror no final da frase; disposição de um conjunto de termos referindo-se ao universo em extensão; papel das sonoridades, etc.).

O comentário não se limitará também à frase em si-mesma. O conhecimento do contexto ajuda, ainda, esclarecer o significado: ela não é, na verdade, um grito autobiográfico da parte de Pascal. Se um dia ele pode experimentar esta vertigem, sua fé em Deus foi definitivamente reafirmada. Mas é para ele, em seus Pensamentos, fazer o leitor sentir a solidão do homem descrente no universo, a tremer, e leva-lo a se interrogar sobre a existência de Deus. Compreendemos melhor, portanto, por que Pascal trabalhou a tal ponto sua fórmula. Ele quis ser eficaz e, também, foi-lhe criticado o aspecto excessivamente calculado de sua frase. Mas esta é liberdade do autor. A do leitor será, por corolário, saber evitar as armadilhas do autor. Esta é a inteligência do testo. Daí a utilidade da explicação

Mas não se deve confundir sobre os objetivos e os métodos, a seguir, para “bem” explicar...

A Educação do Entendimento pelo Estudo da Linguagem








A Educação do Entendimento pelo Estudo da Linguagem
Felipe Robles Dégano
Tradução: Aline Goldoni e Leandro Diniz

Se algum dos meus doutos e ilustres ouvintes assistiu ao quinto Congresso das Ciências, celebrado em Valladolid em 1915, talvez recordará meu nome. Eu, certamente, não assisti; mas o R.P. Eusebio Hernández, S.J., leu nesta seção um notabilíssimo trabalho sobre a “Fisionomia das palavras castelhanas”, no qual fez grandessíssimos elogios à minha primeira obra, intitulada: “Ortologia clássica da língua castelhana com uma carta prólogo do Exmo. Sr. Don Marcelino Menéndez y Pelayo”.

Foi meu primeiro ofício enviar ao dito padre uma solene ação de graças por aquela recomendação tão honorífica, a qual me obriga neste Congresso a falar, não pelos meus livros, mas em pessoa e como representante dos homens de ciência de minha província e diocese de Avila, que vemos o progresso científico com o interesse que merece assunto de tal importância.

Não me peças eloquência tampouco retórica, porque não sou orador nem literato; mas espero interessar vossa atenção tratando de uma ciência já muito antiga e difícil, na verdade, mas que é necessária para que o estudante e o homem de ciência nela avancem. Esta ciência é a que tem por objeto conhecer, formar e educar o entendimento humano. 

O homem de ciência é semelhante a um piloto de avião; e assim como este é mister conhecer muito minuciosamente o mecanismo de sua aeronave e a arte de pilotá-la, assim também aquele que discorre quer elevar-se às altas regiões da ciência tem absoluta necessidade de conhecer o mecanismo e funcionamento de sua potência intelectiva. 

Mas há esta diferença: que na aeronave pode romper-se uma peça ou parar-se o motor, e então toda a habilidade do piloto é inútil; mas no vôo intelectual toda a culpa das quedas ou erros está em quem o dirige, pois o entendimento por si mesmo nem se para nem se rompe.

Nosso entendimento é um organismo espiritual complicadíssimo e universal, porque ele, entendendo, se faz todas as coisas segundo um dito popular: “intellectus intelligendo fit omnia”[1]. A direção deste organismo é o objeto próprio da lógica. Mas o estudo dele e de suas partes, sua anatomia, a chamemos assim, o conhecimento claro e distinto de seus atos, potências e formas, é objeto de outra ciência, a qual batizou Aristóteles com o nome de Perihermenias, que significa: “Da Intepretação”. 

Interpretação de que? Da linguagem, que é o único espelho em que o entendimento pode fitar-se, contemplar-se, estudar-se e conhecer-se a si mesmo. A linguagem é o entendimento encarnado em sons articulados pelo homem. A interpretação da linguagem é o vestíbulo da ciência, a verdadeira propedêutica, ou ciência primeira, que o estudante deve adquirir. Todos sabeis que a lógica começa com as noções de percepção, termo, nome, verbo, juízo, oração, preposição, suposição, universais, predicáveis. Pois bem, todas elas são próprias de Perihermenias, não da Dialética, cujo objeto próprio é o raciocínio, que é onde cabe o artifício.[2] A Perihermenias aristotélica, a encontrará no comentário das obras do filósofo estagirita: a maior parte do que Boécio escreveu está dedicada a comentar a Perihermenias: pelos comentários a este livro começam as obras de Alberto Magno e São Tomás: também Scot julgou necessário descer a este terreno e assim o primeiro do primeiro tomo de suas obras é a “Gramática Especulativa”, e o segundo os comentários a Perihermenias.
Isto prova, senhores, que no fundo aqueles grandes gênios pressentiam a persuasão íntima de que ao estudo das coisas significadas pelas palavras há de preceder o dos modos como se concebem e significam as coisas mesmas. Porque o modo de significar é sempre igual ao modo de entender, mas o modo de entender não é sempre igual ao modo de ser que a coisa tem fora do entendimento. Todo o real existe, mas a mente humana concebe muitíssimas vezes a essência das coisas prescindindo de sua existência; e em tal estado de abstração as coisas tomam na mente um modo de ser diverso do que têm fora dela.

Por isto, São Tomás e Scot indicam acertadamente que a classificação das palavras não se toma de seu significado, mas do modo de significar. Substantivo não é um vocábulo que significa substância, mas algo “por modo de substância”, e assim são substantivos os vocábulos brancura, virtude, morte; coisas que em si não são substâncias. Verbo não é um vocábulo que signifique ação, porque então a mesma palavra ação seria verbo, mas um vocábulo que significa algo “por modo de ação ou paixão”, como disse o Angélico; isto é, algo como movimento medido pelo tempo, embora este algo seja a mesma substância, como o Santo Doutor escreve tratando do ver SER. 

E já que tratamos do progresso das ciências, é muito notável que esta definição do verbo, dada pelo Doutor Angélico, e que é a única verdadeira, esteve quase setecentos anos esquecida pelos homens, mesmo pelos filósofos tomistas: ao menos eu não vi aceita por ninguém, até que eu a fiz minha em 1908. Um exemplo de que nem sempre as gerações posteriores se aproveitam dos avanços que fizeram as anteriores. 

Outro exemplo. Na Perihermenias aristotélica, escrita há dois mil e duzentos anos, se encontra que os casos relativos do nome, isto é, o genitivo, o dativo e o ablativo, não são nomes ou substantivos. Esta doutrina é filosoficamente certa, porque a relação incorporada ao nome lhe retira de sua categoria de substantivo, que é categoria absoluta, e lhe constitui na categoria relativa de adjetivo ou de advérbio: assim em “Manta de viagem”, o caso relativo de viagem é adjetivo de manta; em “estou de viagem”, o caso relativo é advérbio de estou.
 
Segundo isto, o nominativo, o vocativo e o acusativo direto, que não implicam relação acidental, não são casos, como expressamente indica Boécio referindo-se ao nominativo. Pois bem, que doutrina seguem os gramáticos neste ponto? Pois que os casos do nome são seis, dando a entender que tanto o nome é o genitivo como o nominativo, ou tanto o caso é o nominativo como o ablativo: coisa irracional e contrária a verdadeira doutrina que conta já dois mil e duzentos anos de existência. Que diria seu autor se visse que depois de vinte e dois séculos ainda segue o mundo cego à luz que ele acendeu em seu livro?
 
II

Não vou fazer aqui um tratado de Interpretação nem de Gramática; aos amigos de saber e conhecer estas coisas lhes recomendo minha obra latina Perihermenias, dada à luz em 1920, ou minha Gramática Geral, publicada em 1922, mas há de notar o que creio conveniente submeter à consideração deste Congresso.
 
A distinção entre a existência e a essência das coisas e sua separação mental é lei de nosso entendimento, de tal maneira, que constitui duas ordens de atos e potências mentais, duas ordem de vocábulos na linguagem.
 
A ordem segundo a qual se refere a existência e seu signo na linguagem é somente o verbo finito ou pessoal: todas as demais palavras, inclusive o verbo infinito ou impessoal, são signos da ordem primeira, ou das essências concebidas sem incluir nem excluir a existência.
 
Cada palavra absoluta, isto é, o substantivo, o adjetivo, o verbo e o advérbio frequentemente têm duas caras, uma à mente, e outra à coisa externa. As combinações do elemento lógico, que são os atos e potências mentais, com o elemento real, ou os atos e potências reais, dão origem a oito modos, que eu chamo transcendentais, quatro em cada ordem, como verás; e quero advertir que este estudo dos modos transcendentais, base e fundamento da Gramática e da Filosofia, é o que propriamente merece o nome de anatomia do entendimento. Apesar de sua importância, não a encontrará completa em nenhum autor, fora das minhas obras; pois até agora, os filósofos, seja por que for, se contentaram em examinar dois dos oito modos ditos, que são o juízo e o conceito universal objetivo; e mesmo neste não faltaram erros e inexatidões. 
 
Todos sabeis a gravidade e importância dos universais, e justo é reconhecê-la; mas ao fim e a cabo, os universais são um só dos quatro modos transcendentais da ordem primeira. Pois se tanta é a importância de um só modo, qual será a de todos os quatro juntos? 
 
Mas antes de passar a expô-los, façamos uma observação. Os filósofos vulgarmente apontam que as operações do entendimento são duas: a primeira é a simples apreensão; a segunda o juízo. Mas em que se diferenciam? É por acaso só na composição de termos? São da mesma ordem? São juízos todos os atos segundos da mente? Não há no entendimento potências além dos atos? Questões sem solução dentro da estreiteza dessa doutrina.
 
Escutem. Na mente, chamam-se operações primeiras as que olham só a essência; segundas, as que olham a existência. “Prima operatio (escreve São Tomás) respicit quidditaten rei; secunda respicit esse ipsius.” (I. Dist.19, q. 5, a. 1) As primeiras constituem a ordem primeira; as segundas, a segunda; a distinção de ambas as ordens está em que o objeto formal da primeira é a essência; e da segunda a existência. Mas os Escolásticos supõem ou dão a entender que em cada ordem não há mais que uma operação ou modo e eu digo, afirmo, sustento e provo que em cada ordem há quatro, como agora verão. 
 
Comecemos pelos da ordem segunda, que são mais inteligíveis.
 
III
 
Os quatro modos da ordem segunda são: o juízo, o império, a interrogação e a dúvida. O juízo e o império, são atos segundos mentais; a interrogação, potência segunda; a dúvida, pura forma segunda. Nesta ordem segunda, o ato é a determinação a um dos dois, ao ser ou ao não ser, ao sim ou ao não; a potência é o movimento até o sim ou o não; a forma é a indeterminação entre ambos. O expliquemos brevemente. 
 
Primeiro. O JUÍZO. – o juízo é a determinação produzida na mente pelo que é ou não é fora dela. Uma combinação de ato segundo mental e ato segundo real, que podemos formular assim: unum in mente circa unum in re: este unum in re é o ser ou o não ser, porque a existência é o ato segundo transcendental de todo ser.
 
O signo do juízo na linguagem é o modo atual do verbo (o vulgarmente falado, indicativo), pronunciado em tom afirmativo, do qual São Tomás escreve que significa per modum actus. Como exemplo ponhamos a confissão de São Pedro: “Tu ÉS Cristo, o Filho do Deus vivo.”
 
Segundo. O IMPÉRIO. – neste nome compreendemos os atos da razão imperados pela vontade, que são seis: império, conselho, petição, uso, concessão e desejo. Nestes atos o entendimento vai determinado pela vontade a uma coisa possível; porque ninguém pode mandar ou aconselhar o que já está feito, nem pedir ou desejar o que já possui. A fórmula destes atos é unum in mente circa duo in re, porque a coisa está em potência para ser e para seguir não sendo: são combinações de ato segundo mental e potência segunda real.

O signo destes atos é o verbo no modo potencial: este modo compreende os que os gramáticos chamam imperativo e subjuntivo, os quais são realmente um mesmo modo verbal.[3] Sirva de exemplo o convite Venite, adoremos.
 
Terceiro. A INTERROGAÇÃO. – esta, ao contrário do império, expressa a potência segunda mental acerca do ato segundo real: duo in mente circa unum in re. É o lançamento da mente em busca do sim ou do não, e seu signo é o modo atual do verbo, mas pronunciado com interrogação: – tal é a frase de Caifás a Cristo, feita com as mesmas palavras em que São Pedro fez sua confissão: “ÉS tu o Cristo, o Filho do Deus vivo?” na realidade o era, mas a mente de Caifás estava em potência para receber o sim ou o não. O signo da potência mental é o interrogante; o verbo expressa o ato real.

Quarto. A DÚVIDA. – a dúvida (de duo, dois) é a indeterminação da mente entre dois atos reais contraditórios: duo in mente circa duo in re, e se expressa por uma interrogação subordinada mediante o sim dubitável, por exemplo; Caifás não sabia “se Jesus era o Cristo, Filho de Deus”. A oração dubitável é logicamente disjuntiva contraditória, embora por elipses frequentemente se omita o segundo membro: assim, “Não sabia se era...” inclui implicitamente “ou se não era”.[4]

Estes são os quatro modos transcendentais da ordem segunda, tantas quantas são as relações entre unum y duo, in mente et in re. Unum circa unum é o juízo; unum circa duo, o império; duo circa unum, a interrogação; duo circa duo, a dúvida. A reta inteligência destes modos é uma luz refulgente que dissipa as trevas de muitos erros. Farei aqui três aplicações.
 
a)      Seja a primeira à Gramática. A questão dos modos do verbo atormenta há vinte séculos os gramáticos e filósofos. Há quem coloca dez modos, oito, seis, cinco, quatro, dois; Brocense e Escalígero não admitiam nenhum. Eu afirmo, sem medo de equivorcar-me, que os modos reais do verbo, os únicos que estuda a Morfologia, nem são nem podem ser mais que três: o atual (o indicativo) que significa a ação em ato, e corresponde ao unum in re da ordem segunda; o potencial que significa a ação em potência ou como possível, e corresponde ao duo in re da mesma ordem; e ao formal que prescinde de ato e potência segunda, por qual pertence à ordem primeira, e está constituído pelo infinitivo, o gerúndio e o particípio.[5]
A Real Academia, que antes admitia quatro modos, pôs agora cinco; acrescentou um com o nome de potencial formado pelo futurível em ría, como amaría, sería, etc. Gravíssimo é este erro; primeiro, porque essa forma não é de modo distinto do indicativo; segundo, porque não significa a ação como possível, mas como contingente, que não é igual (possível – o que pode ser; contingente – o que pode não ser); terceiro, porque o verdadeiro potencial é o chamado imperativo, com o subjuntivo, que significa a ação como possível, e não como contingente, segundo disse a Academia, confundindo essas noções metafísicas. A explicação disto pode se ver em minha Gramática Geral, nº 178.
b)      A segunda aplicação é a natureza do juízo, não bem declarada pela maior parte dos filósofos. O juízo segundo o ditado, não é a identidade dos conceitos, nem a percepção, nem a afirmação dela, nenhuma composição qualquer de simples apreensões, nem tampouco é a composição do verbo com o nome, porque então a oração Laudate pueri Domino seria juízo; o juízo é logicamente o ato segundo mental acerca de um ato segundo real, o qual implica composição de sujeito com um verbo, que juntamente signifique os dois atos, o da mente e o da coisa.
De onde se infere que a teoria dos que apontam que o verbo ser não tem mais função que o de cópula, é totalmente errônea, como errôneo seria chamar a cabeça, vínculo de união entre o tronco e o cabelo. Não há tal cópula; o predicado formal é o verbo; os atributos que frequentemente o acompanham, são partes materiais do predicado, e hoje já os gramáticos com bom acordo, não os chamam predicados, mas predicativos, como o Rev. Padre Lhobera, S.J., em sua nova Gramatica classicae latinitatis.[6]
c)       A terceira aplicação é a teoria da verdade. A verdade lógica é a equação do entendimento da coisa, e é claro que não há verdade ou falsidade no império, como em Elogia ao Senhor, nem na interrogação, verbi gracia. Sois cristãos? Mas por que só no juízo há verdade? Até agora os filósofos quiseram resolver esta questão arranhando por fora, valorizando a frase; a verdadeira solução está em que não pode haver equação senão entre coisas iguais, e somente no juízo concorrem ato com ato, que são coisas iguais; ato com potência ou potência com ato, não podem igualar-se; porque um é igual a um; dois igual a um, ou um igual a dois, impossível.[7] 
a
IV
Venhamos já às operações ou modos transcendentais da ordem primeira, cujo objeto são as essências das coisas.
 
Na ordem segunda, os elementos combinados sãos unum e duo (o sim e o não), porque a potência segunda é de contradição, como já ensinou Aristóteles. Na ordem primeira os elementos combinados são unum e multa entendendo que estes adjetivos se referem a um ou a muitos indivíduos, não à existência; e assim a potência primeira não é de contradição, mas de multiplicidade. As combinações de unum e multa dão origem a outros quatro modos, que são: o conceito singular, o universal, o percontativo[8] e o relativo. 
 
Primeiro. O conceito singular é unum in mente circa unum (individuum) in re, v.g., o conceito de Deus, do sol, desta cidade. Seu signo na linguagem são os vocábulos singulares, como os pronomes e os nomes próprios singularizados.
 
Segundo. O conceito universal é unum in mente circa multa in re, exatamente como o ensinaram sempre os Escolásticos com Aristóteles, v.g., o de homem, estrela, cor. Este conceito é um ou atual na mente, mas multiplicável ou potencial nas coisas. Estes são os universais objetivos ou in re.

Terceiro. O conceito percontativo é, pelo contrário: multa in mente circa unum in re. Seu signo são os vocábulos percontativos quem, que, qual, onde, etc. Já os antigos gramáticos Apolonio Díscolo, Prisciano, Herodiano de Trácia e outros ensinaram que estes vocábulos são infinitos, no que disseram uma grande verdade, entendido que esta infinidade é puramente mental. São, pois, signos de conceitos universais na mente, ou subjetivos mas de coisas singulares ou atuais na realidade, pelo qual são potenciais somente na mente. 
 
Exemplifiquemos. Quando chamam à minha porta e pergunto quem?, o que chama é uma pessoa determinada; mas minha mente, ao perguntar, forma um conceito vago, indefinido, potencial, determinável por infinito número de sujeitos; pois a minha pergunta pode ser respondida Pedro, João, Luis, Ana, Matilde, etc. O universal in re, como homem, é uma unidade mental que cabe multiplicada no infinito número de indivíduos: o universal in mente, como quem?, é uma capacidade mental em que cabe infinito número de indivíduos reais, um após o outro, ou todos juntos.

Quarto. O conceito relativo, cujo signo são os relativos gramaticais, é rigorosamente universal ou potencial na mente e na coisa: uma pura forma mental a priori, que nada significa fora da mente: seu valor depende dos antecedentes e sua função única é subordinar as orações convertendo-as em substantivos, em adjetivos ou em advérbios de outra oração. Não é possível nos determos em uma discussão ampla deste conceito; mas notarei que em virtude do já dito, nenhum relativo, nem simples nem composto, pode ser conjunção, ao contrário do que hoje ensinam a maioria dos gramáticos.[9]
Também é de advertir que interrogação não é mesmo que pergunta. A pergunta leva um vocábulo percontativo, que é signo da potência primeira mental, que é de multiplicidade, pelo qual à pergunta, Que horas são?, pode-se responder muitas coisas: uma, duas, três horas, etc. Mas a interrogação é potência segunda ou ad duo, pelo qual à um interrogação, exemplo, És cristão?, não pode-se responder mais que sim ou não. Isto é claro, mas busques nas gramáticas e não o acharás.
 
Outro exemplo de progresso pra trás; pois o que agora é novo no século XX já era velho no século IV como consta desta passagem de Santo Agostinho: “Inter percontationem et interrogationem hoc VETERES interesse dixerunt: quod ad percontationem multa responderi possunt; ad interrogationem vero aut non aut etiam” (De Doctr. christ. lib. 3, c. 3). Oh!, o progresso das ciências!
 
Já examinados os quatro modos transcendentais da ordem primeira, vou fazê-los ver que os erros acerca dos universais consistem em confundir um modo com outro, ou não admiti-los todos.
 
A)     Para os nominalistas, que somente admitem a unidade no nome e não no conceito, as palavras que nós chamamos universais in re, são sensivelmente unum in voce, ao estilo de um nome próprio que se impõe a muitos indivíduos (e.g., muitos Pedros).
 
Isto é sair da questão, pôr um muro entre o conceito de a voz, e ficar na escuridão para entender os vocábulos percontativos e relativos.
 
B)      Para os realistas rígidos, o universal existe formalmente fora de nós, mas como tudo o que existe em si é indivíduo para eles não há mais que conceitos singulares, embora os chamem universais com manifesta contradição. Isto confunde o segundo modo com o primeiro.
 
C)      O conceitualismo afirma que a universalidade está somente no conceito, que é o que nós defendemos ao explicar os vocábulos percontativos. O que para nós é unum in mente, é para eles multa; confundem, pois, o segundo modo com o terceiro.
 
D)     Finalmente, para Kant todas as nossas idéias categóricas são formas mentais a priori, exatamente iguais aos conceitos relativos, como os expliquei.
 
Confunde Kant o segundo modo com o quarto. Isto equivale a chafurdarmos num caos de relatividade lógica, cuja consequência é voltar incognoscível à realidade.
 
E já que falamos da relatividade lógica de Kant, suspeito que a relatividade física de Einstein, embora pareça contrária a de Kant, é em substância a mesma, pois translada da mente às coisas. E assim como na relatividade de Kant aparece a realidade das coisas, assim na relatividade física de Einstein aparece a ciência, de sorte que as noções de tempo, espaço, força e medida se convertem em outras tantas X ou incógnitas.[10]
 
Do que foi dito resulta que o nominalismo é verdadeiro somente nos nomes próprios aplicados a muitos; o realismo rígido o é somente nos conceitos singulares; o realismo mitigado é verdadeiro só nos conceitos universais objetivos; o conceitualismo é verdadeiro somente nos percontativos, ou universais subjetivos; o kantismo só é verdadeiro aplicado ao conceito relativo. Cada sistema tem algo de verdade; mas a verdade total está em admitir os quatro modos transcendentais e distingui-los convenientemente. O verdadeiro filósofo há de ser juntamente nominalista, realista, conceitualista e relativista; mas com suficiente discernimento para não confundir os conceitos.
 
Concluo, senhores, esta breve exposição das oito relações ou modos transcendentais entre a mente e as coisas, das oito peças que compõem esta admirável máquina do entendimento. Quem as conheça bem, pode lançar-se às alturas científicas sem medo de errar; aquele que ignore alguma se expõe à quedas lamentáveis. Sem o conhecimento dos modos transcendentais da linguagem se reduz a um conjunto de sons inexplicáveis, a um caos tenebroso; a Gramática é um puro convencionalismo; a Metafísica um campo de luta sem armas de precisão.
 
Efetivamente, hoje a Gramática se acha em um estado lamentável cheia de erros que, ao cair na inteligência das crianças, não podem menos que arraigar fortemente e produzir nelas uma espécie de tuberculose mental. Ao desprender-me e curar-me eu desses erros tradicionais custou-me muitos anos de trabalho e estudo. Pois quanto mais fácil é prevenir que curar! Pretendemos o progresso das ciências! Pois primeiro é limpar a Gramática dos infinitos erros que contém, e escrevê-la conforme os princípios da razão e da reta Filosofia: assim conseguiremos educar a inteligência das crianças, fazê-las homens aptos para discorrer sem estorvos, preservá-los desses erros que lhes incorrem e cortam as asas do entendimento. 
 
Por esta razão eu, que pela bondade de Deus, de quem é e a quem se deve toda a glória, creio poder fazer alguma reforma útil na Gramática, dedico à Ele todas as minhas forças, e ademais da segunda parte da Gramática Geral estou preparando outras duas gramáticas elementares, uma castelhana e outra latina para contribuir com meu óbolo à educação do entendimento da juventude e ao progresso das ciências.[11]
 
Oxalá os filósofos modernos olhem a ciência da intepretação da linguagem com o interesse que ela merece, imitando aos grandes filósofos da Idade Média, Boécio, Alberto Magno, São Tomás e Scot!

A. M. D. G.


[1] [Nota do trad.] O intelecto torna-se aquilo que intelige.
[2] A hermenêutica (Perihermenias), a gramática, a lógica e a metafísica se compenetram de tal maneira que muitas vezes se torna difícil discernir a qual ciência pertence um ponto determinado. Para acertar nisto, note-se o seguinte: A hermenêutica investiga as relações que a linguagem tem com as operações mentais e as coisas (o fato). A gramática estuda a retidão que devem ter as palavras para significar os conceitos e as coisas (o direito). A lógica trata da retidão que devem ter as operações mentais para representar as coisas, ou alcançar a verdade (outro direito). A metafísica esquadrinha as coisas mesmas representadas em seus signos.
[3] Que o imperativo e o presente do subjuntivo são reais e logicamente idênticos no tempo e no modo, pode ver-se demonstrado em minha Gramática Geral, nº 206 e 207.
[4] Sem sair dos evangelhos achamos essa oração Tu es Christus usada de cinco modos:
Afirmativa: TU ES CHRISTHUS Filius Dei vivi (Mateus 16,16).
Interrogativa: TU ES CHRISTUS Filius Dei benedicti (Marcos 14,61).
Dubitativa: Adjuro te... ut dicas nobis SI TU ES CHRISTUS Fillius Dei (Mateus 26,63).
Condicional (o dubitativo em ablativo absoluto): SI TU ES CHRISTUS, salvum fac temetipsum et nos (Iatro: Lucas 23,39)
Substantiva afirmativa> Ego credidi QUIA TU ES CHRISTUS Fillius Dei vivi (Marta: João 11,27): termo do verbo credidi.
[5] Vê-se largamente exposta e discutida esta questão dos modos do verbo em minha Perihermenias, cap., VII. Vê-se também a Gramática Geral, nº 210, 2º.
[6] Sobre esta questão veja o Perihermenias, cap., IX, art. 4º.
[7] A verdade consiste no ato, como já ensinou Aristóteles (Met. IX, 9). A verdade lógica é a conformidade do ato da mente com o ato da coisa. Mas o ato é aliquid unum e assim onde não há unum na mente e na coisa, não há formalmente verdade.
O ato ou o unum é de duas ordens: o de ordem segunda é o esse ou a existência; o de ordem primeira é o suposto singular: todo o fato (actum) é um. Na ordem segunda não há verdade fora do juízo mental, como está dito, porque respicit esse rei in actu.
Na ordem primeira há propriamente verdade na percepção dos singulares, que é unum in mente circa unum in re, como se disse logo no texto do discurso; mas esta verdade não é unívoca, senão análoga com aquela do juízo, porque não inclui o esse, e ratio veritatis fundatur in se et non in quidditate (São Tomás ubi supra), o qual deve entender-se da verdade plena e perfeita, porque nenhuma coisa é perfeita se não inclui a existência.
Na percepção dos universais in re não há verdade senão fundamentaliter, isto é, a houve na percepção dos singulares, de onde por abstração se formou o unum in mente: como no império não há verdade nos juízos práticos que o precedem (cfr. Periherm. nº 229).
Resumindo, há duas verdades lógicas, uma na ordem segunda, outra na primeira, esta análoga àquela. Enquanto não se faça esta distinção, discutir é em vão sobre se há verdade ou não na simples apreensão. Todos podem ter razão, ou ninguém, segundo o que entendem por verdade, ou por ato.
[8] [N. do trad.] Enxerto explicativo: “Tomemos ahora la pregunta del Sr. Ortega : «¿ Qué pasa en el mundo?». Observemos el signo percontativo qué. Es uno de aquellos vocablos que, como el cuál, el quién, el dónde, \-a los griegos llamaban infinitos, y lo son, por su infinidad mental. El que hace la pregunta «¿qué pasa?» lleva en la miente infinitud de cosas.” Accion Española, TOMO VI.-N.32 p.136, Julho 1933
[9] Estes quarto modos transcendentais da ordem primeira podem se fazer sensíveis mediante uma comparação geométrica.
1º No conceito singular a mente é como um ponto que cai sobre outro (a coisa), seguindo a linha reta.
2º No conceito universal objetivo a coisa está representada por uma circunferência cujo centro ocupa a mente. Este centro vê por igual a todos os pontos da circunferência (os singulares), e reciprocamente todos os pontos vêem ao centro.
Este conceito universal é direto e reflexo.
a)       O direto é universal in re e singular in mente. Neste caso o sujeito da relação é a circunferência (os singulares), o termo centro (a mente): sua definição, portanto, é multa in re versus unum in mente: muitos indivíduos unificados em um conceito. Aqui são as coisas que passam à mente com movimento direto, porque o movimento direto é sempre do indeterminado ao determinado, ou mais determinado.
b)       O reflexo é inverso do direto: singular in mente, universal in re. O sujeito da relação é o centro (a mente), o termo circunferência (as coisas): sua definição é unum in mente versus multa in re: algo mentalmente um, enquanto multiplicável ou multiplicado na realidade. Aqui é a mente quem passa às coisas, mas com movimento inverso, isto é, do determinado, o um, o atual, ao indeterminado, múltiplo e potencial.
Quando o entendimento considera o unum como multiplicável, o expressa pelo nome comum sem artigo, exemplo homem: então a circunferência representa a natureza como confusa, mas determinável ou divisível em número indeterminado de indivíduos.
Quando o entendimento considera o unum como multiplicado, o expressa pelo nome com o artigo, exemplo o homem; a circunferência representa a natureza como determinada ou dividida em número indeterminado de indivíduos.
A multiplicabilidade e a multiplicação caem sobre o unum do centro que simultaneamente se coloca em muitos pontos da circunferência: a divisibilidade e a divisão caem sobre a circunferência, que, segundo nosso modo de entender (embora na realidade não seja assim) se divide ao mesmo tempo que o centro se multiplica ou determina nos pontos dela.
3º No conceito universal subjetivo, ao contrário que no objetivo, a coisa está no centro, a mente na circunferência, dando voltas em busca de um dos infinitos raios possíveis que a leve ao centro com movimento direto: um conceito determinável por algo determinado na realidade.
4º No conceito relativo a mente está em uma circunferência: a coisa em outra interior concêntrica: multa versus multa. Não havendo centro a mente não pode ser determinada ad unum pela coisa, que não é unum senão multa. Não há aqui movimento direto à coisa; o qual se manifesta na atonia do relativo, isto é, na privação do acento que tinha o percontativo de onde procede; pelo qual este conceito não é ato nem potência, mas pura forma mental a priori, como o que é também a dúvida, com a diferença de que esta pertence à ordem segunda, porque vê a existência.
Tais são todos os conceitos e juízos científicos de Kant: puro relativismo lógico, ou de outro modo, cepticismo idealista. No sistema de Kant a mente não pode passar às coisas: daqui inferiu logicamente Fichte que as coisas saem da mente com movimento inverso: logo conhecer é criar, princípio que informa e dá vida a todo o modernismo contemporâneo.
Mas Einstein coloca a coisa na circunferência exterior e a mente na interior: não há aqui movimento direto das coisas à mente: mas relativismo real ou físico que em substância é cru materialismo. Não faltará quem tire a conclusão que a mente sai das coisas.
[10] Veja o apêndice.
[11] A Gramática Elemental Catelhana foi publicada em outubro de 1924: a Latina virá à luz em abril deste mesmo ano 1925.