sexta-feira, 11 de julho de 2014

A Inteligência da explicação do texto


A Inteligência da explicação do texto

30 modelos de comentários, 40 chaves para chegar ao coração do texto
Bruno Hongre


Nota: fiz esta ligeira tradução do francês original: L'intelligence de l'explication de texte : 30 modèles de commentaires, 40 clefs pour aller au coeur du texte, embora não sabendo ler em francês. Me ajudou muito a clareza da escrita do autor original e tradutores eletrônicos. Caso alguém note alguma discrepância, favor me avisar.

Prefácio
(e instruções)

A análise de texto continua a ser um exercício fundamental do ensino do francês. Ela é chamada explication linéaire ou commentaire composé, étude suivie, lecture méthodique ou ainda analytique, tem como propósito essencial a formação do espírito crítico, isto é, tanto:

- o espírito analítico: a capacidade de identificar os problemas textuais, para perceber a sutileza de seus meios de expressão, para interpretar o discurso sabendo evitar as armadilhas da linguagem – todas, coisas muito necessárias aos cidadãos que fundam na consciência o exercício de sua liberdade.
- a faculdade da admiração: a arte de apreciar a arte, de maravilhar-se com o poder da imaginação, desfrutar da exaltação de um estilo, de medir a autenticidade de uma mensagem, de recuperar através das obras que nos precederam a herança que nos constitui – ao risco de criar-se a vontade de escrever, pois a admiração leva à criação.

É, naturalmente, através da prática que se adquire “a inteligência” da explicação, que se trás à luz dos textos, ele mesmos. E isso não acontece, simplesmente. O estudante de boa vontade é, muitas vezes, arremessado entre duas pedras: ser chamado a expressar “sinceramente” aquilo que ele deve sentir frente a páginas que nada lhe dizem, ou se vê esmagado pelas ferramentas de análise que lhe são impostas sem lhe explicar "o espírito". Para evitar essas armadilhas, este livro fornece um vai e vêm contínuo entre a arte do sentimento e a arte do entendimento, ambas essenciais ao amor da literatura em geral e, em particular, para o sucesso nos testes de língua francesa em exames e concursos.
A concepção e o modo de uso deste livro são os que se seguem. Por cobrir uma variedade de excertos com os quais os candidatos podem ter de se enfrentar, agrupamos nossos estudos em cinco domínios: textos descritivos, textos romanescos, textos “dramáticos”, textos ditos “argumentativos”, textos poéticos. De cada explicação, ora linear, ora sintética, identificamos as ferramentas analíticas que podem ser reutilizadas pelo leitor em outros textos que, a priori, nada “digam” para ele. Estas são as “Chaves”. Elas são feitas, naturalmente, para entrar, para capturar o coração e a originalidade das passagens estudadas, não para fixar-se na intepretação das grades pré-estabelecidas. 

O uso deste livro é o mais flexível possível. É possível consulta-lo em qualquer ordem, ler as “chaves” antes das correções que as ilustram, ou saltar de um texto a outro: o sumário, as referências, os resumos são destinados à este uso. Contudo, é na ordem de nossos comentários, que vão desde o texto mais simples ao mais complexo, que vamos tirar o melhor proveito. 

Este é, portanto, um livro de método, concebido tanto a atender às necessidades do exame e dispor ao prazer da leitura. Nossa esperança é, de fato, que esta exploração metódica, em reviver a riqueza dos textos, por vezes, esquecida, leve o leitor a se apaixonar pelo melhor da literatura – a que, nas palavras de Ionesco, “impede os homens de serem indiferentes aos homens”.


1. Princípios e métodos

1.       O que é uma explicação de texto?
2.       Porquê explicar um texto?
Questões de um bom aluno ao querido professor...
3.       Como explicar um texto?
4.       Da intertextualidade, e de seu bom uso.

Capítulo 1
O que é uma explicação de texto?

Explicar um texto é explicar o que ele diz e mostrar como ele o disse. Os dois andam de mãos dadas.

  •  O que ele diz.
Um texto nunca é tão óbvio quanto parece. Não é suficiente identificar seu sentido global ou isolar seus temas principais (ou campos lexicais). Devemos esclarecer seus vários significados, analisando os efeitos sucessivos que produz, apreender as nuances que o diferenciam dos outros textos do mesmo tipo.

  • Como ele diz.
Um texto não se reduz à suas significações, ao seu conteúdo, à sua “mensagem”. Para fazer passar essa mensagem, ele foi composto. Para produzir tal ou qual efeito no seu leitor, ele foi elaborado. Devemos, portanto, considerar como o texto funciona, por que meios ele atua, por quais traços de estilo ele se revela eficaz. Em suma, mostrar sua especificidade do texto, literário ou não.

  • Os dois andam de mãos dadas.
As duas abordagens andam juntas, pois as menores nuances de estilo correspondem às nuances do pensamento. As escolhas estéticas do autor estão relacionadas à sua vontade de significação. Assim, o estudo atento do funcionamento de uma página permite, por si mesmo, a compreender e sentir seu significado profundo (sempre múltiplo). E, inversamente, só a captura completa de seus significados permite dar-nos conta de seu sucesso artístico.

Escrever um texto, é bem mais que se expressar: é a arte de significar, de fazer sentir, de fazer agir, de fazer sonhar.

Explicar um texto, é muito mais que lhe “traduzir”: é mostrar como ele significa, como ele faz sentir, agir, sonhar...

UM EXEMPLO PARA BEM COMPREENDER

Consideremos a perspectiva de um escritor que deseja, por exemplo, expressar o medo do homem perante o espaço. Ele pode simplesmente escrever:

O espaço é assustador.

Isto é realmente o que ele “quer” dizer. Mas ao reler, ele não se satisfaz. Sua frase curta não é realmente suficientemente expressiva. Para dar uma idéia mais sensível, ele pode, por exemplo, introduzir um pronome pessoal integrando os homens ao seu ponto de vista e colocar o verbo no presente.

                O espaço nos assusta.

Nós somos envolvidos, mas ainda está um pouco morto. A palavra “espaço” ainda permanece um pouco abstrata: é necessário, sem dúvida, precisar que é esta sua dimensão concreta que nos amedronta e, para tanto, multiplica o espaço o colocando no plural. Isto dá:

                Os espaços infinitos nos assustam.

O autor pode, em seguida, pensar que o ser humano está muitas vezes sozinho quando contempla o espaço; de qualquer maneira, ele sente mais ainda sua solidão. Daí a distinção:

                Os espaços infinitos m’apavoram.

A desproporção entre o infinito do céu e a solidão do eu (reduzida na frase a um único “m’”) torna o pavor mais crível. Em todos os tempos, o sujeito humano foi capaz de senti-lo. Em todos os tempos? Essa é a idéia de eternidade que vem à mente do nosso autor e que lhe permite enriquecer ainda mais a sua fórmula:

                A eternidade dos espaços infinitos m’apavora

O leitor já sente melhor a condição do ser humano perdido ante um duplo infinito, aquela do espaço e aquela do tempo. O homem interroga esse universo, mas nada – jamais – o responde. Esta pode ser a oportunidade de introduzir na frase a idéia do silêncio deste universo. O autor corrige, em seguida, o escrito:

                O silêncio eterno dos espaços infinitos m’apavora.

Vemos bem a superioridade desta fórmula àquelas precedentes: o silêncio, de fato, não é somente a ausência de barulho, é a ausência de discurso, é a ausência de resposta. O “silêncio eterno” implica uma questão eterna, aquela que coloca o ser humano sobre seu destino neste universo.  Este universo, este espaço, que nos cercam por todos os lados. Para concretizar esse vasto ambiente, o autor pode arrastar para o lugar certo um adjetivo demonstrativo, que dá à frase sua construção definitiva, que aqui fica:

                O silêncio eterno desses espaços infinitos m’apavora.

O autor pode se alegrar. Esta frase escrita na primeira pessoa coloca o leitor na posição ideal para que ele sinta uma vertigem real: ele parece ver esses espaços infinitos se multiplicarem diante seus olhos, silenciosamente. Essa impressão de extensão é, também, sublinhada pela aliteração (sete vezes a consoante S ou Z: faz as ligações através da leitura):

                O silêncio eterno desses espaços infinitos m’apavora.

Podemos observar que esta fórmula não faz expressar uma idéia: ela a precisa, ela a torna sensível ao espírito do leitor, ela a encena. Reduzi-la a seu sentido inicial a teria distorcido, ao ignorar todo o trabalho de escritura do autor para desenvolver o valor de seus pensamentos.

Este autor tem um nome: ele se chama Blaise Pascal.

Que ele escreveu esta frase repetindo-a várias vezes, como nós acabamos de fazer ou de uma só vez, isto não tem importância: ele utilizou, muito bem, todos os processos que acabamos de enumerar. A partir de um tema comum, ele produziu muito bem um máximo de efeito e de significação. Bem, essa viagem que o autor seguiu, devemos toma-la em sentido inverso. Estando dado o “produto final” que é a frase que temos diante de nós, nosso trabalho de explicação consiste em analisar seus diversos procedimentos de elaboração, para melhor a compreender e medir seu alcance. O método consiste em um exame sistemático dos meios de expressão e dos afeitos que ele produziu (escolha dos termos evocando um espaço-tempo duplamente infinito; verbo no presente; pronome pessoal reduzido à “ m’ ”; lugar das palavras; rejeição do terror no final da frase; disposição de um conjunto de termos referindo-se ao universo em extensão; papel das sonoridades, etc.).

O comentário não se limitará também à frase em si-mesma. O conhecimento do contexto ajuda, ainda, esclarecer o significado: ela não é, na verdade, um grito autobiográfico da parte de Pascal. Se um dia ele pode experimentar esta vertigem, sua fé em Deus foi definitivamente reafirmada. Mas é para ele, em seus Pensamentos, fazer o leitor sentir a solidão do homem descrente no universo, a tremer, e leva-lo a se interrogar sobre a existência de Deus. Compreendemos melhor, portanto, por que Pascal trabalhou a tal ponto sua fórmula. Ele quis ser eficaz e, também, foi-lhe criticado o aspecto excessivamente calculado de sua frase. Mas esta é liberdade do autor. A do leitor será, por corolário, saber evitar as armadilhas do autor. Esta é a inteligência do testo. Daí a utilidade da explicação

Mas não se deve confundir sobre os objetivos e os métodos, a seguir, para “bem” explicar...

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