A Inteligência da explicação do texto
30 modelos de comentários, 40 chaves para chegar ao coração do texto
Bruno Hongre
Nota: fiz esta ligeira tradução do francês original: L'intelligence de l'explication de texte : 30 modèles de commentaires, 40 clefs pour aller au coeur du texte, embora não sabendo ler em francês. Me ajudou muito a clareza da escrita do autor original e tradutores eletrônicos. Caso alguém note alguma discrepância, favor me avisar.
Prefácio
(e instruções)
A análise de texto continua a ser um exercício fundamental
do ensino do francês. Ela é
chamada explication linéaire ou commentaire composé, étude suivie, lecture méthodique ou ainda analytique,
tem como propósito essencial a formação do espírito crítico, isto é, tanto:
- o espírito
analítico: a capacidade de identificar
os problemas textuais, para
perceber a sutileza de seus meios
de expressão, para interpretar
o discurso sabendo evitar as armadilhas da linguagem – todas, coisas
muito necessárias aos cidadãos que fundam na
consciência o exercício de sua liberdade.
- a faculdade da
admiração: a arte de apreciar a arte, de maravilhar-se com o poder da
imaginação, desfrutar da exaltação de um estilo, de medir a autenticidade de
uma mensagem, de recuperar através das obras que nos precederam a herança que
nos constitui – ao risco de criar-se a vontade de escrever, pois a admiração
leva à criação.
É, naturalmente,
através da prática que se adquire “a inteligência” da explicação, que se trás à
luz dos textos, ele mesmos. E isso não acontece, simplesmente. O estudante de
boa vontade é, muitas vezes, arremessado entre duas pedras: ser chamado a
expressar “sinceramente” aquilo que ele deve sentir frente a páginas que nada
lhe dizem, ou se vê esmagado pelas ferramentas de
análise que lhe são impostas sem lhe explicar "o espírito". Para evitar essas armadilhas,
este livro fornece um vai e vêm contínuo entre
a arte do sentimento e a arte do
entendimento, ambas essenciais ao amor
da literatura em geral e, em particular,
para o sucesso nos testes de língua
francesa em exames e concursos.
A concepção e o modo de uso deste livro são
os que se seguem. Por cobrir uma variedade de excertos com os quais os
candidatos podem ter de se enfrentar, agrupamos nossos estudos em cinco
domínios: textos descritivos, textos romanescos, textos “dramáticos”, textos
ditos “argumentativos”, textos
poéticos. De cada explicação, ora linear, ora sintética, identificamos as
ferramentas analíticas que podem ser reutilizadas pelo leitor em outros textos
que, a priori, nada “digam” para ele.
Estas são as “Chaves”. Elas são feitas, naturalmente, para entrar, para
capturar o coração e a originalidade
das passagens estudadas, não para fixar-se na intepretação das grades
pré-estabelecidas.
O uso deste livro é o mais flexível
possível. É possível consulta-lo em qualquer ordem, ler as “chaves” antes das
correções que as ilustram, ou saltar de um texto a outro: o sumário, as
referências, os resumos são destinados à este uso. Contudo, é na ordem de
nossos comentários, que vão desde o texto mais simples ao mais complexo, que
vamos tirar o melhor proveito.
Este é, portanto, um livro de método,
concebido tanto a atender às necessidades do exame e dispor ao prazer da
leitura. Nossa esperança é, de fato, que esta exploração metódica, em reviver a
riqueza dos textos, por vezes, esquecida, leve o leitor a se apaixonar pelo
melhor da literatura – a que, nas palavras de Ionesco, “impede os homens de
serem indiferentes aos homens”.
1. Princípios e métodos
1.
O que é uma explicação de
texto?
2.
Porquê explicar um texto?
Questões de um bom aluno ao querido professor...
3.
Como explicar um texto?
4.
Da intertextualidade, e de seu
bom uso.
Capítulo 1
O que é uma explicação de texto?
Explicar um texto é explicar o que ele diz
e mostrar como ele o disse. Os dois andam de mãos dadas.
- O que ele diz.
Um texto nunca é tão óbvio quanto parece.
Não é suficiente identificar seu sentido global ou isolar seus temas principais
(ou campos lexicais). Devemos esclarecer seus vários significados, analisando
os efeitos sucessivos que produz, apreender as nuances que o diferenciam dos
outros textos do mesmo tipo.
- Como ele diz.
Um texto não se reduz à suas significações,
ao seu conteúdo, à sua “mensagem”. Para fazer passar essa mensagem, ele foi composto. Para produzir tal ou qual
efeito no seu leitor, ele foi elaborado.
Devemos, portanto, considerar como o texto funciona, por que meios ele atua,
por quais traços de estilo ele se revela eficaz. Em suma, mostrar sua especificidade do texto, literário ou
não.
- Os dois andam de mãos dadas.
As duas abordagens andam juntas, pois as
menores nuances de estilo correspondem às nuances do pensamento. As escolhas
estéticas do autor estão relacionadas à sua vontade de significação. Assim, o
estudo atento do funcionamento de uma
página permite, por si mesmo, a compreender e sentir seu significado profundo
(sempre múltiplo). E, inversamente, só a captura completa de seus significados
permite dar-nos conta de seu sucesso artístico.
Escrever
um texto, é bem mais que se expressar: é a arte de
significar, de fazer sentir, de fazer agir, de fazer sonhar.
Explicar
um texto, é muito mais que lhe “traduzir”: é
mostrar como ele significa, como ele faz sentir, agir, sonhar...
UM EXEMPLO PARA BEM COMPREENDER
Consideremos a perspectiva de um escritor
que deseja, por exemplo, expressar o medo do homem perante o espaço. Ele pode
simplesmente escrever:
O espaço é assustador.
Isto é realmente o que ele “quer” dizer.
Mas ao reler, ele não se satisfaz. Sua frase curta não é realmente
suficientemente expressiva. Para dar uma idéia mais sensível, ele pode, por
exemplo, introduzir um pronome pessoal integrando os homens ao seu ponto de
vista e colocar o verbo no presente.
O espaço nos assusta.
Nós somos envolvidos, mas ainda está um
pouco morto. A palavra “espaço” ainda permanece um pouco abstrata: é necessário,
sem dúvida, precisar que é esta sua dimensão concreta que nos amedronta e, para
tanto, multiplica o espaço o colocando no plural. Isto dá:
Os espaços infinitos nos assustam.
O autor pode, em seguida, pensar que o ser
humano está muitas vezes sozinho quando contempla o espaço; de qualquer
maneira, ele sente mais ainda sua solidão. Daí a distinção:
Os espaços infinitos m’apavoram.
A desproporção entre o infinito do céu e a
solidão do eu (reduzida na frase a um único “m’”) torna o pavor mais crível. Em todos os tempos, o sujeito
humano foi capaz de senti-lo. Em todos os tempos? Essa é a idéia de eternidade
que vem à mente do nosso autor e que lhe permite enriquecer ainda mais a sua
fórmula:
A eternidade dos espaços infinitos m’apavora.
O leitor já sente melhor a condição do ser
humano perdido ante um duplo infinito, aquela do espaço e aquela do tempo. O
homem interroga esse universo, mas nada – jamais – o responde. Esta pode ser a
oportunidade de introduzir na frase a idéia do silêncio deste universo. O autor
corrige, em seguida, o escrito:
O silêncio eterno dos espaços infinitos
m’apavora.
Vemos bem a superioridade desta fórmula
àquelas precedentes: o silêncio, de fato, não é somente a ausência de barulho,
é a ausência de discurso, é a ausência de resposta. O “silêncio eterno” implica uma questão
eterna, aquela que coloca o ser humano sobre seu destino neste universo. Este
universo, este espaço, que nos cercam
por todos os lados. Para concretizar esse vasto ambiente, o autor pode arrastar
para o lugar certo um adjetivo demonstrativo, que dá à frase sua construção
definitiva, que aqui fica:
“O silêncio eterno desses espaços infinitos
m’apavora.”
O autor pode se alegrar. Esta frase escrita
na primeira pessoa coloca o leitor na posição ideal para que ele sinta uma
vertigem real: ele parece ver esses espaços infinitos se multiplicarem diante
seus olhos, silenciosamente. Essa impressão de extensão é, também, sublinhada
pela aliteração (sete vezes a consoante S ou Z: faz as ligações através da
leitura):
O silêncio eterno desses espaços infinitos
m’apavora.
Podemos observar que esta fórmula não faz
expressar uma idéia: ela a precisa, ela a torna sensível ao espírito do leitor,
ela a encena. Reduzi-la a seu sentido
inicial a teria distorcido, ao ignorar todo o trabalho de escritura do autor
para desenvolver o valor de seus pensamentos.
Este autor tem um nome: ele se chama Blaise
Pascal.
Que ele escreveu esta frase repetindo-a
várias vezes, como nós acabamos de fazer ou de uma só vez, isto não tem
importância: ele utilizou, muito bem, todos os processos que acabamos de
enumerar. A partir de um tema comum, ele produziu muito bem um máximo de efeito
e de significação. Bem, essa viagem que o autor seguiu, devemos toma-la em
sentido inverso. Estando dado o “produto final” que é a frase que temos diante
de nós, nosso trabalho de explicação consiste em analisar seus diversos
procedimentos de elaboração, para melhor a compreender e medir seu alcance. O
método consiste em um exame sistemático dos meios de expressão e dos afeitos
que ele produziu (escolha dos termos evocando um espaço-tempo duplamente
infinito; verbo no presente; pronome pessoal reduzido à “ m’ ”; lugar das
palavras; rejeição do terror no final da frase; disposição de um conjunto de
termos referindo-se ao universo em extensão; papel das sonoridades, etc.).
O comentário não se limitará também à frase
em si-mesma. O conhecimento do contexto
ajuda, ainda, esclarecer o significado: ela não é, na verdade, um grito
autobiográfico da parte de Pascal. Se um dia ele pode experimentar esta
vertigem, sua fé em Deus foi definitivamente reafirmada. Mas é para ele, em
seus Pensamentos, fazer o leitor
sentir a solidão do homem descrente no universo, a tremer, e leva-lo a se
interrogar sobre a existência de Deus. Compreendemos melhor, portanto, por que
Pascal trabalhou a tal ponto sua fórmula. Ele quis ser eficaz e, também, foi-lhe criticado o aspecto excessivamente
calculado de sua frase. Mas esta é liberdade do autor. A do leitor será, por
corolário, saber evitar as armadilhas do autor. Esta é a inteligência do testo. Daí a utilidade da explicação.
Mas não se deve confundir sobre os objetivos
e os métodos, a seguir, para “bem” explicar...
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